Autoras

Ana Paula e Monique, alunas da turma de Letras, no 4º Semestre da Faculdade Anhanguera de Indaiatuba, supervisionadas pela Prof.ª Dr.ª Maria Gorete Neto.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Etapa 02 - Resenha de Negrinha

O conto “Negrinha”, de Monteiro Lobato, foi publicado em 1920 em uma coletânea homônima.

Negrinha, a personagem-título, é uma criancinha nascida em uma fazenda por volta de 1880, cuja mãe era escrava. É tratada de forma desumana pela dona da casa, que é ironicamente descrita como uma viúva gorda e mimada, dona do mundo e extremamente respeitada, de nome D. Inácia, que não suportava choro de criança e se punha furiosa com o menor lamento da menina.

Negrinha era repreendida por qualquer coisa e normalmente era mantida imóvel em um canto imundo da cozinha ou na sala, feito um animalzinho indesejável, mas impossível de descartar. Ninguém na casa encarava a pequena como uma pessoa, ou mesmo como criatura viva, batendo nela por qualquer motivo ou mesmo sem motivo. D. Inácia tinha prazer em encher a cabecinha da menina com croques, e tratá-la por todo tipo de nome ofensivo, somente por eles.

A condição de vida de Negrinha, que não apresenta um nome próprio durante o conto para que tenhamos idéia de quão menosprezada como ser humano ela era, beirava a de objeto sem valor. Além de isso criticar a escravocracia, revela também forte repreensão à violência infantil, que até hoje é praticada de forma tão cruel como era com Negrinha.

O autor oferece uma detalhada descrição das formas mais comum de punição física usadas na época, e alcança o ápice ao narrar como Negrinha é disciplinada após ter simplesmente imitado o tratamento que recebia por insultar uma empregada que lhe roubou um pedacinho de carne.

Para inibi-la de falar palavras feias, D. Inácia se faz algoz e preparara a sessão de tortura por cozinhar um ovo em água fervente e colocá-lo na boca da menina até que o ovo derretesse. Em toda sua virtude, em toda sua generosidade, D. Inácia cria estar fazendo muito bem à menina, sem ao menos perceber o quão cruel era sua generosidade e distorcida sua virtude.

Conversando com o reverendo, D. Inácia reclama por estar criando a órfã Negrinha somente para ouvir elogios à sua hipócrita bondade.

Com a chegada das sobrinhas de D. Inácia que vieram passar as férias, Negrinha descobre que a velha tem outro lado e percebe que brincar e divertir-se não é proibido.

Fascinada com a meninas angelicais, ela naturalmente se junta às crianças apenas para ser expulsa e envergonhada diante daquelas lindas criaturinhas. Depois, ao ver os brinquedos das meninas e deparar-se com a encantadora boneca de porcelana, ousa esquecer-se de todos os castigos e aproxima-se encantada pelo objeto. As meninas divertiram-se com a reações ingênuas de Negrinha, achando curioso que ela nunca tenha visto uma boneca.

Entrando D. Inácia na sala onde estão as meninas, flagra Negrinha com a boneca, e contra tudo que era aguardado, amolece-lhe o coração e permite que Negrinha brinque com suas sobrinhas. A menina, que já havia antevisto todos os flagelos pelos quais passaria, surpreendeu-se. Nesse momento então acontece a “divina eclosão”, a epifania de Negrinha. Vivendo enfim, sentindo-se livre e querida, desempenhando a atividade natural de uma criança humana, descobriu sua dignidade.

Regalou-se em brincadeiras e alegria durante a estadia das meninas, nunca mais ouviu uma palavra rude ou sofreu um castigo físico. Com o final das férias, as crianças voltaram para a cidade, e com elas, a boneca. A vida de Negrinha melhorou, D. Inácia deixou de ser má com ela e as criadas também. Porém, a menina havia mudado também, e passava os dias pensativa, envolvida pela lembrança da boneca e das brincadeiras, triste e sem expressão. Toda a vida que havia descoberto dentro de si acabou sendo roubada, tudo responsabilidade da boneca de louça.

A epifania desencadeada pela boneca, a iluminação do fato de existir outra forma, uma melhor de viver, trouxe para Negrinha um sofrimento tão grande que, tristemente, morreu sozinha, como um gatinho abandonado, e sem importância foi enterrada.

O nítido contraste entre a infância das meninas brancas e Negrinha é uma interessante reflexão sobre o preconceito racial. Quando Negrinha percebe que D. Inácia trata diferente as crianças louras e angélicas, ela não se dá conta, mas observa ali um favorecimento às pessoas de outra etnia, que, além disso, também partilha laços de sangue com a dona da casa, e, portanto, são pessoas dignas.

Monteiro Lobato, presente no conto através de sua narração em terceira pessoa, entretanto, argumenta que as crianças são iguais em todo o mundo, independente de suas características físicas, replicando então a atitude parcial de D. Inácia.

A forma de o autor narrar é célere e vívida. As descrições são feitas na medida certa para que cada cena seja imaginada quase cinematograficamente. A ironia, um grande recurso de critica, transforma o texto numa peça que faz rir e chorar, trazendo também revolta.

A emergência dessas sensações no leitor é prova do sucesso da obra em seu objetivo de entreter, comover e levar à reflexão.

Etapa 01 - Enfoque Linguístico

A obra lobatiana sempre teve o objetivo de instruir entretendo e entreter instruindo. Isso é mais observado na sua literatura infantil, sobretudo nas aventuras dos moradores do Sitio do Pica-Pau Amarelo, mas mesmo sua literatura adulta tem intuito de provocar discussão, pensamento crítico e esclarecimento em seu leitor.

Ao escrever, Monteiro Lobato faz bastante uso da função fática da língua, e, visto sua extensa carreira jornalística, da função referencial, criando textos dinâmicos de leitura interessante e fácil, porém profunda e eficiente. Além do mais, ao escrever “Emília no País da Gramática” faz grande uso da função metalingüística também, criando uma nova abordagem da gramática do português.

Este livro também traz com clareza o pensamento lobatiano de que a língua é algo vivo, que pertence aos seus falantes e que não deve ser enquadrada em regras extremas e inflexíveis somente.

Com uma linguagem simples, explica às crianças conceitos de lingüística e fonética que dificilmente são abordados em sala de aula, mas que possuem um grande valor na hora de compreender porque se fala como se fala e se escreve como se escreve.